Xingu quer reconquistar o Brasil
/Após readquirir o controle da marca no país, fundador programa novos estilos
Depois de se instalar nos mercados europeu e norte-americano, a Xingu prepara a volta para a casa. O empresário Cesario Mello Franco, que lançou a marca 35 anos atrás, tempos depois vendeu os direitos no Brasil para a Kaiser e, pouco antes da pandemia, em novembro de 2019, recomprou-os do Grupo Heineken, tem agora como prioridade expandir a cerveja no mercado brasileiro. Não só na clássica versão escura, mas também em outros estilos, com uma linha diversificada, incluindo uma Brazilian Pale Ale. Atualmente a produção da Xingu é concentrada no Canadá e na Alemanha. Foi produzida também na França e na Inglaterra. Via 65 distribuidoras, em 45 Estados, irriga os copos de apreciadores nos Estados Unidos, onde já foi eleita a melhor cerveja brasileira. "Na Europa, são de 10 a 15 festivais", contabiliza Mello Franco. "No exterior a gente faz a Xingu Black, a Gold, a Weiss e Zoigl (típica da Bavária, na Alemanha) e percorre todos os festivais da Alemanha de abril a setembro."
Hoje a produção e o mercado estão basicamente no exterior, mas o plano é inverter essa proporção e fazer a fatia do Brasil chegar a cerca de 90%. Para isso, ao relançar a marca, em dezembro de 2022, o empreendedor alinhou a operação com um distribuidor nacional, a Interfood, e a produção na Brew Center, em Ipeúna (SP).
Ainda para este ano, estão programados mais dois estilos, mantidos em segredo. Além desses, uma das novidades será uma Brazilian Pale Ale, cuja fórmula foi desenvolvida por Paulo Schiaveto. Os esforços são para ganhar escala, de forma a reduzir o preço e oferecer um custo-benefício atrativo. Como parte dessa estratégia, ao recomprar a marca, Mello Franco buscou um meio-termo em relação à fórmula original. "Quis resgatar tudo o que era sensorial, aromático, mas também ajustei elementos mais adequados ao paladar brasileiro", conta.
Filho do diplomata Affonso Arinos de Mello Franco (1930-2020), o empreendedor é habituado a transitar pelo mundo e, para coordenar uma operação entre tantos países, afirma: "Terceirizo tudo, mas coordeno tudo". Na Xingu, ele combina um empreendimento empresarial com as paixões pessoais ecléticas. Cesario Mello Franco é artista plástico, escritor assim como o pai (membro da Academia Brasileira de Letras) e documentarista, além, claro, de cervejeiro e empresário.
Tem uma personalidade renascentista. Com a Xingu, no fim dos anos 1980, e depois, ao fundar a Colorado, em 1996, ao lado do amigo Marcelo Carneiro, contribuiu para tirar o Brasil da Idade Média cervejeira, de absolutismo das American Light Lagers.
Essa cruzada ganha agora novos sabores.
A história da Xingu
Nos anos 80, o norte-americano Allan Eames (escritor e especialista em antropologia e história da cerveja) e a então esposa, Anne Latchis, visitaram a Amazônia para ouvir histórias e estudar os fermentados dos povos do Xingu. Inspirados em mitologias do século 16 - o da época da chegada dos portugueses ao Brasil -, queriam saber mais sobre as bebidas fermentadas de milho e mandioca. A história sobre uma cerveja escura foi a que mais os atraiu.
Em um mercado de cervejas artesanais em transformação, buscaram desenvolver uma cerveja brasileira que trouxesse na receita esses elementos. Encontraram o empresário carioca Cesario Mello Franco, disposto a "construir uma marca para representar a brasilidade e ser distribuída em outros países".
O primeiro desafio era onde produzir. Em Caçador (SC), uma fábrica de mesmo nome inaugurada em 1936, aceitou a missão de brassar uma Lager escura. O primeiro lote é de 1987, e o primeiro desembarque no Porto de Boston (EUA) ocorreu em fevereiro de 1988. Bem recebida pelo Culinary Institute of America, no Hyde Park, no Estado de Nova York, a cerveja, no mês seguinte, já tinha todo o seu estoque vendido nos EUA. No mesmo ano, o jornal The New York Times, em reportagem dominical, destacou The mellow art of the micro brew ("A doce arte da microcervejaria"). A cerveja escura, leve e saborosa ainda trazia garrafas de 640 ml, uma novidade para os norte-americanos, acostumados com as de 350ml.
Nos anos 90, a Xingu se tornou a brasileira com maior volume de exportação, representando 63% das vendas de cerveja do país ao exterior. O reconhecimento veio com a conquista de prêmios como o da All About Beer Magazine (Gold Medal, 91 pontos) e dois ouros do Beverage Testing Institute (Categoria Dark Lager). O inglês Michael Jackson (1942-2007), o "beer hunter", após experimentar a Xingu em um bar, em um de seus artigos na All About Beer sentenciou: "It was delicious".
Nos anos 2000, depois da compra da marca no Brasil pela Kaiser, a Xingu ganhou visibilidade e cadeia de produção e de distribuição no país. Enquanto isso, no exterior, foram desenvolvidas novas versões, consolidando-a nos mercados norte-americano e europeu. Em 2015, a Xingu Gold foi desenvolvida na Inglaterra e foi eleita a melhor cerveja do Brasil pelo Beverage Testing Institute de Chicago. Ainda em 2017, ganhou ouro e prata no Los Angeles International Beer Competition nas categorias Dark Lager e Lager.