Uma análise do mercado cervejeiro da América Latina
/Em entrevista, o presidente da Abracerva, Carlo Lapolli, fala sobre a posição no Brasil no mercado
Recentemente o Brasil assumiu a vice-presidência do Bloco Cervejeiro da América Latina. Uma posição que representa o reconhecimento do país frente ao mercado latino-americano. Representado pela Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), o Brasil une-se a outros 15 países com o objetivo de aproximar às nações, trocar experiências, melhorar o ambiente econômico para as cervejarias, e facilitar o acesso a novos mercados. O bloco também nasce com o desafio de validar às associações, desenvolver ações de de capacitação com cursos e certificar os concursos voltados para as cervejarias independentes.
Para entender como o Brasil se insere nesse mercado e conhecer os próximos passos do bloco que a Beer Art conversou com o presidente da Abracerva, Carlo Lapolli. Essa é a primeira parte de uma entrevista exclusiva entrevista realizada na sede da Associação, em Brasília. Confira:
Beer Art - Vamos começar falando sobre a novidade mais recente: a inserção do Brasil no bloco cervejeiro latino-americano. Qual é a importância de assumir a vice-presidência do bloco?
Carlo Lapolli - Primeiro, eu acho que a criação do bloco foi uma coisa bastante útil, porque estabelecemos um fórum de discussão permanente e, com isso, trocamos não apenas ideias do que pretendemos como mercado cervejeiro, mas também conhecemos as realidades dos outros países. Então, na apresentação lá no Panamá, nós discutimos o modelo de cada associação, qual é o mercado, qual o share de mercado que temos hoje, número de cervejarias artesanais independentes e a tributação de cada país.
Beer Art - Fazendo essa comparação, quais são as características e peculiaridades do Brasil frente aos outros países?
Carlo Lapolli - O Brasil talvez seja o país mais complexo em termos tributários, mas não é o mais caro. Além disso, é um dos mais fechado para América Latina. Até pela língua, nós somos os únicos que falamos português no bloco. Também tem o fato de que o Brasil tem um mercado muito grande. Com isso, acabamos nos focando mais no mercado interno, enquanto tem outros que estão mais voltados para mercado externo. Por isso, é legal ter esse fórum de discussão, para compararmos e buscarmos iniciativas em conjunto, tanto do ponto de vista legislativo - de melhorar o ambiente econômico para as cervejarias -, quanto do ponto de vista de acesso a novos mercados, de compartilharmos mercados com as cervejarias independentes, sermos um pouco mais abertos para América Latina.
Beer Art - Como o Brasil se insere no mercado latino-americano?
Carlo Lapolli - A primeira reunião do bloco foi em Quito e fomos muito cobrados por não termos participado. De forma geral, os países têm uma grande admiração pelo tamanho do mercado do Brasil, pela posição que temos hoje, de sermos o país com o maior número de cervejarias artesanais. O Brasil tem um peso muito importante na América Latina e estamos tomando um espaço que realmente fazemos jus em trabalhar, que é a vice-presidência. O restante da América Latina nos vê como um país de grande importância, chave, um exemplo do crescimento das cervejarias. Isso é importante, acho que estamos no caminho para representar bem o mercado sul-americano.
Beer Art - Do ponto de vista do mercado consumidor e dos processos cervejeiros, como você percebe o Brasil, em comparação com os outros países?
Carlo Lapolli - As cervejarias na América Latina, nos demais países, têm um perfil de serem um pouco menores, até 30 mil litros. Aqui no Brasil a nossa média está entre 25 e 30 mil litros por cervejaria. Lá é difícil ter uma cervejaria que produza mais do que isso. Aqui temos cervejarias com 200 mil litros, então essa realidade é um pouco diferente. Agora, de forma geral, percebemos um crescimento muito grande nos países, com um bom nível de produção.
Em termos de maturidade do desenvolvimento dessa produção, do consumidor, o Brasil como está em relação aos outros?
Carlo Lapolli - O Brasil é um dos países de ponta, temos hoje um mercado bem maduro. O mercado brasileiro está bastante espalhado pelo país todo. São mais de 400 municípios, aproximadamente 10% dos municípios têm uma cervejaria artesanal. Essa cobertura geográfica é bem relevante. Além disso, hoje qualquer pessoa já ouviu falar de cerveja artesanal, não é mais uma novidade. Entramos em qualquer supermercado e encontramos 3, 4, 5 marcas de cerveja artesanal. Claro, ainda estamos longe de conquistar a preferência do consumidor, até porque existe uma barreira de preço muito grande. A democratização da cerveja passa por uma questão de preço. Algumas cervejarias já estão entrando neste nicho de preço, como Bierland, Tupiniquim, Dado Bier, que entraram em um nicho de preço e chegam a competir com as cervejarias mainstream. Isso é muito bom, porque estamos ganhando espaço de mercado junto a quem só consumia Heineken, Skol, Brahma Extra, por exemplo. Então, acho que o Brasil está bem posicionado e ainda tem muito mercado para crescermos.
Beer Art - Podemos dizer que o mercado brasileiro está mais maduro em relação a outros da América Latina?
Carlo Lapolli - Acredito que em relação a maioria dos países da América Latina sim, estamos em um nível um pouco à frente, em termos de penetração do mercado. Temos um cenário de cerveja artesanal com 10 anos pelo menos. Outros países são mais embrionários, começaram há 4, 5 anos essa cena de cerveja artesanal, o que é natural. No entanto, estão estes países estão crescendo em uma velocidade muito grande, e logo logo chegam ao mesmo nível de penetração de mercado que o Brasil. Não tenho dúvida disso, até pela qualidade dos produtos que está muito boa.
Beer Art - Como foi a reunião e a eleição desta diretoria do Bloco?
Carlo Lapolli - Existe uma certa complexidade para se fazer uma Associação de Associações. Tem toda a parte jurídica. Já temos o estatuto praticamente pré-aprovado, agora estamos verificando quais são os países possíveis para instalarmos a sede. É possível que seja no Uruguai, que tem a presidência. Neste momento estamos fazendo uma pesquisa local e jurídica lá. Para novembro, já temos a próxima reunião do bloco agendada no Uruguai.
Além disso, criamos a junta diretiva, que é formada por presidente, vice-presidente, tesoureiro e secretário. Também foram criadas as comissões de comunicação, de aperfeiçoamento, de capacitação, de assuntos legais, de estatísticas e de desenvolvimento de mercado.
Beer Art - Quais são os próximos desafios do Bloco?
Carlo Lapolli - O primeiro passo agora é fazermos os levantamentos, criarmos um orçamento e um plano de ação. Temos algumas metas pra fazer, definir, inclusive adequação das próprias associações locais à definição do bloco cervejeiro. Foi criada na Declaração de Quito (documento base de criação do bloco) uma definição de que as associações de cada país precisam ter para fazer parte do bloco. Como, por exemplo, limitar a participação de cervejarias que não sejam independentes. Isso o nosso estatuto da Abracerva já atende. Também são critérios estabelecidos: a participação de cervejarias com no máximo 2,5% do total de mercado. Não foi adotado o volume por litro porque não fazia muito sentido em razão das diferenças regionais. Além disso, as cervejarias devem ter 75% da produção no seu próprio país, gerar empregos diretos e a produção não deve passar de 120 mil litros anuais por empregado. Esses critérios já são praticamente atendidos dentro do estatuto da Abracerva, mas não com essa definição literal. Por isso, vamos adequar o nosso estatuto até o final do ano para garantir essas modificações.
O bloco quer validar também os concursos na América Latina voltados para às cervejarias independentes. É ,já está em gestação na comissão de Aperfeiçoamento e Capacitação, um curso sobre controle de qualidade em cervejaria, que deve ser feito em vídeo para ser lançado online ainda esse ano.
Beer Art - Será uma certificação para os concursos?
Carlo Lapolli - Seria um reconhecimento daquele concurso, que ele atende aos critérios que o bloco está colocando como importante, uma recomendação. Como, por exemplo, garantir que não tenham participação de grandes cervejarias. Acho que a principal palavra que a gente tem falado muito dentro do bloco é independência, e realmente diferenciar as grandes cervejarias das pequenas através da independência.