Três brasileiras fazem história com o lúpulo

Em Teresópolis, o Viveiro Ninkasi é um marco para a agricultura e a produção de cerveja no Brasil

Desenvolver lúpulo nacional é um desafio para o crescente mercado da cerveja artesanal (Foto: Andreia Constâncio/Divulgação)

Quem entende um pouco de produção de cerveja sabe o quanto o desenvolvimento de lúpulo nacional é um desafio para os fabricantes da bebida no Brasil. Em Teresópolis, cidade da região serrana do Rio de Janeiro que integra a Rota Cervejeira RJ, a união dos conhecimentos, da experiência e da dedicacão de três mulheres abriu um capítulo novo na história da agricultura e, particularmente, da cerveja no Brasil.

Em novembro, as três tiveram o prazer de anunciar que o Viveiro Ninkasi se tornara o primeiro no Brasil a ter autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para produção e venda de cinco variedades de mudas de lúpulo no país. As mudas cumpriram todo o processo de registro no RENASEM/MAPA para garantir a identidade do material propagativo e seus atributos de qualidade para uma produção sustentável. Andreia Constâncio, divulgadora da Rota Cervejeira RJ, entrevistou as autoras da façanha e conta a seguir como chegaram a essa conquista:

Teresa Yoshiko (ao centro), proprietária do Viveiro Ninkasi, compartilhou o projeto com Ana Cláudia Pampillon (esq.), sommelier, cervejeira de panela, turismóloga e coordenadora da Rota Cervejeira RJ, e Monique Lopes (dir.), engenheira agrônoma e extensionista rural (Foto: Andreia Constâncio/Divulgação)

Teresa Yoshiko, empreendedora, empresária e proprietária do Viveiro Ninkasi, Monique Lopes, engenheira agrônoma e extensionista rural, e Ana Cláudia Pampillon, sommelier de cervejas, cervejeira de panela, turismóloga e coordenadora da Rota Cervejeira RJ, têm em suas histórias uma nova história. Elas tiveram seus caminhos cruzados no início de 2018 e estão juntas com o mesmo propósito: desenvolver a cultura do lúpulo no Brasil, por meio da adaptação e tropicalização da planta, com a mesma qualidade das produções realizadas no Exterior.

Para isso, o Viveiro Ninkasi, de Teresa Yoshiko e sua família, se dedicou à produção de mudas de cinco cultivares, entre elas americanas, inglesa e alemã. Segundo Teresa, para que o viveiro conseguisse essa tão sonhada primeira autorização do ministério para produção e comercialização legal foi necessário um alto investimento em estrutura e equipamentos com know how de produção de mudas.

“Conheci a planta há dois anos e, desde então, tenho pesquisado. Me apaixonei pela cultura do lúpulo e, durante um ano foi só estudo, conhecimento e planejamento. Só depois iniciei a parte de construção do viveiro. Comecei minha carreira há 26 anos e, sendo produtora de mudas, usei todo o meu conhecimento para conseguir mudas de lúpulo de qualidade. A tecnologia usada no viveiro é inédita no mundo e sabemos de nossa responsabilidade de garantir a qualidade inicial. Daqui depende todo o sucesso da produção. Tenho ciência de que se conseguir isso, estou garantindo o sucesso de uma nova matriz agrícola para o meu estado”, explicou Teresa.

Foi exatamente aí que a engenheira agrônoma e extensionista rural, Monique Lopes, atuou. Com 25 anos de experiência profissional, a engenheira tem sua carreira construída na mais tradicional empresa de assistência técnica do estado do Rio de Janeiro, a Emater-Rio. Ela assumiu a missão de orientar Teresa e de cuidar de plantios experimentais para a construção desse processo de legalização das mudas junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, através de sua Superintendência no Estado do Rio de Janeiro.

"O Brasil importa 100% do lúpulo, temos normas e padrões externos de comercialização já estabelecidos há anos, portanto não é possível trabalhar de forma amadora. Nós, brasileiros, devemos nos dedicar a desenvolver a cultura do lúpulo no país com todo o profissionalismo que a cultura merece e o mercado exige", comenta Monique Lopes.

Todo o trabalho de pesquisa e produção no Viveiro Ninkasi nos últimos meses foi pensado para se obter qualidade e valor de mercado nas mudas de lúpulo. E, quando se fala de mercado cervejeiro, o nome de Ana Claudia Pampillon é referência. Ela reforça esse trio de mulheres na área comercial, conversando com o mercado e buscando para os produtores a colocação perfeita para suas produções.

“O produtor é parte fundamental para o fomento da cultura nesse momento. É de extrema importância a aproximação das cervejarias com os produtores para que a sinergia entre essas duas pontas possa fomentar a economia dessas regiões onde serão implantadas essas fazendas. Esse é o meu papel: pegar na mão dos produtores e das cervejarias para que eles caminhem e cresçam de maneira organizada”, reforça Ana Pampillon.

Hoje, o Brasil é o terceiro maior fabricante de cerveja na esfera mundial. Produzimos anualmente cerca de 14 bilhões de litros da bebida. A autorização do MAPA para produção e comercialização de mudas conferida ao Viveiro Ninkasi significa uma nova oportunidade para as cervejarias do país: a produção de cervejas com lúpulos legalizados e absolutamente tropicalizados.

Neste sentido, a produção do Viveiro Ninkasi vai abrir possibilidades até então inexistentes para as cervejarias brasileiras, que poderão utilizar lúpulo fresco e em flor legalizados. Hoje, o produto importado geralmente é de safras antigas e costuma chegar beneficiado em formato de pellet.

Deusa da cerveja

Ninkasi, que batiza o viveiro na cidade fluminense, é a chamada Deusa da Cerveja, cultuada na Suméria, primeira civilização a ocupar a região da Mesopotâmia (a fundação foi em 6 500 a.C. e a dissolução em 1 940 a.C.), onde hoje ficam o sul do Iraque e o Kuwait.


O lúpulo

Viveiro Ninkasi tem uma variedade de tipos de lúpulo (Foto: Andreia Constâncio/Divulgação)

O lúpulo é um vegetal originário do Hemisfério Norte onde a baixa temperatura e a incidência solar são propícias à cultura. Sua adaptação ao clima do Brasil é bastante difícil, principalmente por nossa latitude ser baixa. É uma planta tradicionalmente usada, junto ao malte, a água e a levedura, na fabricação da cerveja, e chega aos campos como nova alternativa para incrementar a economia, com expectativas de crescimento da renda de produtores de todo o país (principalmente regiões de clima ameno).

É um conservante natural, sendo essa uma das principais razões para ser adotado na produção de cerveja. A evidência mais aceita do primeiro campo de cultivo de lúpulo data de 736, no jardim de um prisioneiro de origem eslava, próximo a Gensenfeld, no distrito de Hallertau, região da atual Alemanha.

Segundo dados históricos, o lúpulo era adicionado diretamente ao barril de cerveja após a fermentação para mantê-la fresca enquanto era transportada. Além de um constituinte da cerveja, o lúpulo é cultivado como trepadeira ornamental em jardins em áreas subtropicais e temperadas. Também é usado em pequena escala na alimentação, produzindo o chamado “aspargo de lúpulo”.

Em 1516, o duque Guilherme IV, da Baviera, instituiu a lei conhecida como Lei de Pureza da Cerveja, Reinheitsgebot, que determinava que os únicos ingredientes utilizados na elaboração fossem a água, o malte e o lúpulo.

Dos ingredientes básicos da cerveja, o lúpulo era, até pouco tempo, o único sem produção no mercado interno brasileiro. Por conta disso, nos últimos anos, cresceu a importação do insumo. Segundo dados do Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), compilados pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), o Brasil comprou 36,4 toneladas de lúpulo estrangeiro no primeiro trimestre de 2018. A quantidade é superior a todo o volume importado em 2017, quando o país trouxe 34,6 toneladas do Exterior.

O Viveiro Ninkasi por dentro e por fora

Fotos: Andreia Constâncio/Divulgação