Cerveja com café, uma união bem-sucedida

Com a criatividade das cervejarias artesanais, casamento entre 2 paixões brasileiras rende frutos

A Hop Arabica, da Morada Cia Etílica, de Curitiba (PR), a Kaffee Bier, da Von Borstel, de Londrina (PR), e a Modern Dogma, da Dogma, de São Paulo (SP), são exemplos de cerveja que levam café na receita

Café e cerveja. Duas paixões brasileiras têm feito um casamento cheio de criatividade com o avanço das cervejas artesanais. E não está se falando de cervejas que apenas lembram café, como o caso do estilo Stout, e sim as que de fato levam a bebida em sua composição. Nesta matéria, a Beer Art mostra alguns exemplos dessas bem-sucedidas alianças, e como foi a etapa da experiência até a produção da bebida: a Hop Arabica, da Morada Cia Etílica, de Curitiba (PR), a Kaffee Bier, da Von Borstel, de Londrina (PR), e a Modern Dogma, da Dogma, de São Paulo (SP).

HOP ARABICA

Sensação desde seu lançamento no Festival Brasileiro da Cerveja 2014, a Hop Arabica contraria as expectativas comuns dos apreciadores. A começar pela coloração dourada, que em nada lembra uma Porter ou uma Stout. Trata-se de uma American Blonde Ale, produzida de forma criativa e colaborativa por empresas paranaenses dos dois ramos − a Morada Cia Etílica e o Lucca Cafés Especiais.

O projeto surgiu quando André Junqueira, da Morada, se inspirou na clássica harmonização da casca de laranja cristalizada que vem acompanhando o cafezinho expresso pós-refeição e resolveu incorporar a combinação de sabores em uma cerveja. Ele contou à repórter Sarah Buogo, em matéria especial para a Beer Art:

“Primeiro fui buscar na cerveja aonde conseguiria ter o cítrico marcante, encontrei nos lúpulos aromáticos norte-americanos que trazem notas de pomelo e casca de laranja e um sabor herbal e cítrico muito interessante. Como não queria nada muito amargo, pesado, nem muito forte, desenvolvi a receita básica para fazer essa combinação em uma cerveja clara, de fermentação leve, neutra e final seco.”

Carolina, da Lucca Cafés Especias, Fernanda Lazzari, André Junqueira, da Morada, e Helcio Júnior, na torrefação da Unique Cafés em Carmo de Minas (Foto: Divulgação)

O passo seguinte foi encontrar o café com as características ideais para a mistura. Para isso, contou com a colaboração da provadora de café Carolina Franco de Souza, do Lucca. A única exigência de Junqueira era que o grão fosse nacional. Após provarem diferentes tipos de várias regiões do país, escolheram o Catuaí, produzido pela Fazenda do Sertão, em Carmo de Minas, na Serra da Mantiqueira. Após feita a escolha, os esforços passaram a ser na busca do melhor ponto de torra e do método de extração. Foi a etapa mais longa, explica Carolina:

"Tínhamos de definir qual o melhor método de trabalhar o café e quando adicioná-lo à cerveja. Tentamos acrescentá-lo de várias formas e chegamos à conclusão de que o ideal mesmo era coar o café, resfriá-lo imediatamente e misturar apenas no final."

Carolina, em Carmo de Minas, na Carmo Coffees, escolhe o café para a Hop Arabica, em junho de 2014 (Foto: Divulgação)

A Hop Arabica não se enquadra em estilos clássicos − segundo Junqueira, a melhor maneira de classificá-la seria como uma "American Blonde Ale com café" porque leva doses de lúpulo de aroma e sabor como se fosse uma IPA, mas só na parte fria do processo, não tem lupulagem de amargor. Muitas pessoas provam e acham, erroneamente, que são usados grãos verdes no processo, mas o segredo mesmo é a utilização de um café de alto nível, preparado separadamente. Ele é torrado, moído, coado e resfriado no laboratório do Lucca e só encontra a cerveja na fase final do processo.

“Levando os grãos do café para a cervejaria, não conseguiríamos ter o controle total daquilo que queríamos tirar do grão, por isso usamos todo o know-how do Lucca e alcançamos o melhor aproveitamento”, ressalta Junqueira.

O protótipo ficou pronto em março de 2013, mas a cerveja só foi lançada oficialmente um ano depois, durante a edição de 2014 do festival em Blumenau (SC). Até agora, cerca de 20 mil garrafas foram produzidas, sem dar conta da demanda.

A repercussão, diz Junqueira, foi melhor do que a esperada. Para ele, o mais interessante é a surpresa que a coloração causa.

"A pessoa chega e diz que quer provar a bebida com café. Quando eu sirvo, a expressão é sempre a mesma, como se eu tivesse servido a bebida errada. A pessoa se convence só quando prova".

Entenda o processo:

  1. Desenvolvimento da receita base de maltes e fermento
  2. Seleção das variedades de lúpulos norte-americanos (mais cítricos e florais).
  3. Prova de diferentes variedades de café até encontrar o perfil ideal.
  4. Definição do café Catuaí, da espécie Coffea arabica, cultivado na Serra da Mantiqueira.
  5. Testes para definir melhor ponto de torra para ressaltar o perfil desejado
  6. Testes para definir melhor método de extração para ressaltar o perfil desejado
  7. Testes da proporção e estabilidade do café na garrafa.
  8. Café e cerveja prontos separadamente são misturados.

KAFFEE BIER

Para contar os bastidores da criação da Kaffee Bier, a pedido da Beer Art, Fernando S. von Borstel, um dos proprietários da cervejaria, narrou o passo a passo do desenvolvimento:

"Tudo começou com a ideia de valorizar todas as conquistas que Londrina já possuiu com o café. Como somos nativos daqui, nada melhor do que valorizar o que vem da nossa terra. Vale lembrar: Londrina é a capital mundial do café!"

"Durante o começo de 2015 vislumbramos uma oportunidade de criação de uma cerveja como essa, extremamente diferenciada, que pudesse valorizar o que as regiões cafeeiras produzem de melhor, além claro, de valorizar o que há de melhor na cerveja. Mas criar uma receita para receber o café, e ainda assim, ter a presença dos dois sabores em harmonia, não é tão simples. Qual malte base usaremos? Qual mistura de maltes? Qual levedura? Quais lúpulos? Qual processo? Qual graduação alcoólica e a doçura e amargor final?"

"Então começamos o desenvolvimento da receita base. Encontramos no Senai Vassouras/RJ a sala de brassagem para auxílio em testes, e conquistamos o edital do Sebraetec, o que nos deu 10 meses de testes para formular a receita e adicionar o café."

"Bom, depois de calibrarmos a mão, a receita base ficou fantástica, mas qual café poderíamos escolher?"

"Acreditamos que a busca pelo café ideal, para a versão 2016 da Kaffee Bier, foi o mais difícil de todo o processo. Existem tantas variedades, tantos métodos de produção, tantos 'terroir' que envolvem o sabor do café, que encontrar o sabor que harmonize com a cerveja base é algo que demanda paciência e experimentação; não é à toa que testamos mais de quatro variedades de café com moagens e torras diferentes, para então definir aquela que mais ressaltasse seus sabores e aromas."

"Apesar de difícil, encontrar o café foi algo prazeroso. O café, que acreditamos ser o ideal para essa cerveja, foi encontrado em uma pequena cidade do norte pioneiro do Paraná, em Santa Mariana, na Fazenda Palmeira, pertencente à Rota do Café. Conhecemos seus produtores e a beleza de cada detalhe e sutileza dessa magnifica propriedade cafeeira; experimentamos cada variedade de café plantado e selecionamos a fantástica variedade Catuaí Vermelho."

"Podemos dizer que degustar o café, hoje utilizado em nossa cerveja, na própria fazenda em que foi plantado e colhido com tanto carinho, foi uma experiência única."

"Quase todos os detalhes da cerveja estavam perfeitos, mas como fazer a infusão do café na cerveja, e quanto devemos utilizar para ela atingir o ápice, a surpresa prazerosa da cerveja e café? Essa pergunta nos martelou por muito tempo durante todo o nosso desenvolvimento em 2015; adicionar durante a brassagem? Fervura? Fermentação? Maturação? Filtragem?"

"Foi quando, que por acaso, lemos uma reportagem sobre 'Cold Brew', uma infusão a frio de café, que na época começava a ganhar espaço nas cafeterias do Brasil. O tempo de contato, a temperatura e, principalmente, o resultado, nos chamaram a atenção; dessa forma conseguiríamos utilizar o café durante o processo de maturação, sem ter que criar a bebida antes da infusão sobre a cerveja, e extrair as melhores qualidades aromáticas e gustativas do café, com o mínimo de amargor."

"E, assim, inspirados pelo 'Cold Brew', e pela possibilidade de criarmos um 'terroir' para cada safra, realizamos e finalizamos está magnífica cerveja, a Kaffee Bier, a cerveja com café!"

"Para embelezar e trazer ao consumidor a cerveja que está ali dentro, colocamos nossa Kaffee Bier na mais nova garrafa do mercado, num rótulo que traduz a arte do café. Inserimos o ramo de café num quadro com moldura de ouro, uma verdadeira obra-prima! Pronto! Vai um cafezinho aí?"


MODERN DOGMA

A Modern Dogma é fruto de uma parceria binacional de cervejarias, entre a paulistana Dogma e a Modern Times, de San Diego (Califórnia/EUA). O mestre-cervejeiro da cervejaria americana, Jacob McKean, e o responsável pelos cafés da marca, Amy Kroone, passaram o mês de agosto de 2015 no Brasil para produzir essa cerveja e a Panopticon Times, além de conhecer a cultura local, visitar fazendas de café e experimentar cervejas artesanais.

A Modern Dogma é uma Imperial Mocha Porter, com 9% de graduação alcoólica e 40 IBUs (Unidade de Amargor). Depois de esgotado o primeiro lote, a Modern Dogma voltou, em 2016, com novidades para o segundo lote, um novo grão de café na receita, o Catuai Vermelho. O novo grão surgiu da parceria entre a cervejaria Dogma e a Wolff Café, responsável pela seleção, pesquisa e torrefação dos grãos. Essa safra rara de 2015/16, da cidade de Forquilha do Sul (ES), apresenta notas de frutas amarelas.