Sommelier de cerveja orienta gastronomia religiosa
/O jovem Paulo Henrique Quintão, técnico cervejeiro, uniu a devoção cristã à paixão pela cerveja
A relação de Paulo Henrique Quintão, 23 anos, com a igreja surgiu de berço, de família católica. Quando ele tinha 18 anos, estava bastante envolvido com o trabalho pastoral e chegou a pensar no sacerdócio, mas discerniu que a sua vocação religiosa não era a de padre. Hoje inclusive é casado, e mantém uma vida religiosa ativa como Cerimoniário na Paróquia de Sant'Ana em Campo Grande, no Rio. Uma paixão em sua vida é a cerveja, que o motivou a se formar sommelier e técnico cervejeiro. Com essas atividades, encontrou um ponto em comum com a religião. Especializa-se em gastronomia religiosa.
Seu objetivo é apresentar pratos e harmonizações de cervejas que se enquadram neste padrão. Utiliza o contexto histórico para montar o cardápio e observa o que é comum estar a mesa dos cristãos e a partir disso define os rótulos, na maioria das vezes também produzidos pelos religiosos.
"Gastronomia religiosa é composta por todos os alimentos e bebidas que quando preparadas de acordo com a vivencia dos momentos da fé, se torna para o consumidor um alimento sagrado", explica.
Sua relação com a cerveja começou com uma viagem à Europa, onde o jovem conheceu as primeiras cervejas especiais que experimentou.
Confira abaixo quatro dicas de harmonização, elaboradas por Quintão, e na sequência, um texto em que o sommelier explica a relação entre cerveja e religião.
Harmonizações
A tradicional Bacalhoada Gomes Sá, acompanhada de uma cerveja Trapista, a Westmalle Tripel. A bacalhoada se tornou comum nos dias festivos e nos dias em que para os cristãos não é permitido o consumo de carne vermelha.
O carré de cordeiro, acompanhado de purê, e a cerveja escolhida foi a Trappistes Rochefort 8. Esse prato se torna comum no domingo de Páscoa, representando o cordeiro de Deus.
A Doppelbock foi uma cerveja criada pelos monges do mosteiro de São Francisco de Paula, cerveja forte em álcool e doce, servindo assim como "pão líquido" para os monges durante os períodos de jejum.
Nesta imagem temos Chocolates Trapistas, servidos junto à Westvleteren XII, uma cerveja também de origem trapista. Chocolates também são comuns nas mesas de páscoa.
Além destas harmonizações existem uma série de outras que também podem ser enquadradas nas condições de pratos e bebidas da gastronomia religiosa. Por meio do @cheffbreja, Quintão tenta difundir esse estudo, em que além de tratar das comidas e bebidas fala "da vida e da importância de alguns Santos para a arte da gastronomia".
Vamos entender essa história de igreja e gastronomia
Paulo Henrique Quintão
ph_quintao@hotmail.com
A Igreja sempre teve a comida como um meio de expressão. Desde a formação do conceito religioso que conhecemos, temos alguns momentos que muitas das vezes seguimos princípios religiosos mesmo sem saber. É comum vermos pessoas que não consomem carne na quaresma, ou então na Sexta-feira Santa, temos também os clássicos pratos presentes nas mesas de Páscoa, na ceia natalina etc. Mas você sabe o porquê?
A Igreja Católica Apostólica Romana, através do conceito de liturgia, aderiu a períodos do ano tempos que conhecemos como tempos litúrgicos, esses momentos são períodos em que a igreja se prepara para uma parte da vida de Cristo, pode ser seu nascimento, crucificação, ressurreição etc. Durante esses períodos por meio da fé as pessoas vivenciam de forma particular muitas das vezes o jejum e abstinência, ou até mesmo a comemoração e exaltação. Neste momento estamos vivenciando o período da Quaresma, a igreja recomenda que haja o jejum de carne vermelha, ela recomenda essa privação como forma de lembrar o sacrifício de Jesus, morrendo na Cruz para nos salvar. Já que não haverá o consumo de carne vermelha, se começa a busca por novas fontes de proteínas. Por um conceito histórico nessas datas se torna comum o consumo de peixes, neste momento temos como os pratos sagrados, a famosa bacalhoada, temos o costume de ver também a sardinha, entre outros.
A partir de definições como esta para os diversos tempos de forma particular, começa a surgir a ligação com a gastronomia, para cada tempo na mesa dos religiosos e cristãos surgem os pratos e bebidas que representam o devido momento. Para o dia da Páscoa temos o Cordeiro de Deus, dia comemorativo, onde celebramos o Cristo ressuscitado. E assim por diante.
Outra justificativa para a ligação religiosa para com a gastronomia é a vida monástica. Por vivenciarem as leis de São Bento, os monges vivem o "ora et labora", oração e trabalho, um dos princípios dos mosteiros. Vivenciando, este principio, muito dos monges inclusive como fonte de renda para a obra, usam de trabalho em padarias e cozinhas monásticas para produzirem alimentos diversos. Dentre eles, o pão, que se faz sagrado através do milagre da transubstanciação, eles produzem também doces, tortas, bolos, entre outros.
Voltando à Idade Média, temos principalmente na Europa, problemas de pestes e outras doenças, que começam a condenar a população todas transmitidas através da água, por não se ter o conhecimento de filtração e fervura da mesma, rapidamente os membros da igreja identificam que se a água passasse a ser consumida em forma de cerveja os riscos de contaminação diminuiriam, eles a passam a tratá-la como a bebida sagrada. A partir desse momento a cerveja também se torna alimento de extrema importância para a igreja, além deles acreditarem que os efeitos do álcool também o poderiam levá-los mais próximo do sagrado.
Esses são apenas alguns dos fatos que fazem com que muitos alimentos se tornem parte da gastronomia religiosa, porém existem muitos outros. Temos alguns exemplos de ingredientes que preparados de forma que remetam a esses momentos fazem parte dessa gastronomia: cordeiro, bacalhau, pães, massas, Chocolates, peru e porco, entre outros.