A Nacional
/O bar do polo paulistano de Pinheiros que fabrica a sua própria cerveja
Luís Celso Jr.
Beer Art 9 - ago/14
São Paulo - O bairro de Pinheiros, na Zona Oeste, está rapidamente virando o ponto mais cervejeiro da capital paulista. Entre os estabelecimentos locais, Empório Alto dos Pinheiros − a Meca dos cervejeiros brasileiros −, BrewDog Bar − o único fora da Europa −, Cervejaria Nacional − a primeira fábrica bar da cidade − e, em breve, Delirium Café São Paulo, filial do bar do Rio de Janeiro, primeiro das Américas. Mas, em 26 de maio de 2011, quando a Cervejaria Nacional abriu as portas pela primeira vez, não havia tanto glamour. "Após muito procurar, achamos aqui o lugar ideal para o nosso brewpub", conta Marcus Ribas, um dos sócios.
A Nacional, como é carinhosamente chamada pelos frequentadores mais assíduos, é um bar que fabrica sua própria cerveja. Trata-se de um ambiente híbrido e agradável. Logo ao entrar, o cliente encontra a cervejaria, protegida por uma parede de vidro. Uma pequena "cozinha" com dois blocos e alguns tanques garante a capacidade total de produção de 10 mil litros/mês. Quem controla o processo é o cervejeiro Guilherme Hoffman, que herdou a posição de Alexandre Sigolo, hoje na Cervejaria Burgman, de Sorocaba (SP).
As criações da casa são batizadas com nomes do folclore brasileiro: − Y-îara Pilsen, clara, dourada e de boa espuma, com dulçor e amargor balanceado, como as boas Bohemiam Pilseners Checas − Domina Weiss, de trigo ao melhor estilo alemão, com notas que rementem à banana e cravo − Curupira, boa e intensa Pale Ale, avermelhada, agradável de beber e com lupulagem herbal − Mula, uma American IPA com alto amargor e aromas de lúpulo cítricos marcantes − Sa'si Stout, seca, com bom balanço entre malte e lúpulo, lembrando um bom café expresso.
Sucesso também fazem as sazonais, principalmente entre o público mais especializado, ávido por novidades. O projeto de fazer "rótulos" diferentes de vez em quando se mostrou um dos grandes pontos fortes, dando também vazão à criatividade do cervejeiro. "Fazer as sazonais é divertido. Procuramos ter essas novidades a cada mês ou quinzena, dependendo do período do ano", conta Guilherme.
Não raramente, essas receitas aproveitam a presença de grandes nomes da cerveja em passagem por São Paulo. Eles fazem em parceria com a Cervejaria Nacional receitas ainda mais especiais, como as realizadas com os mestres cervejeiros Martin Zuber, alemão da Paulaner, e Doug Odell, americano da Odell Brewing. O primeiro usou sua experiência para criar uma Ur-Dunkel, receita que remete à versão original da tradicional Munich Dunkel, referência que poucas pessoas no mundo têm. O segundo, uma deliciosa Coffee IPA, clara de amargor elevado e lúpulos cítricos americanos combinados com café brasileiro.
O bar
Subindo o primeiro lance, encontramos o piso do bar. Aí é possível ter uma melhor ideia da proporção da Cervejaria Nacional. É um lugar longo, como um corredor mais largo. De um lado, uma sequência de mesas e do outro um balcão com cadeiras, de frente para uma área onde algumas vezes por semana há bandas para animar a noite − em cima da cervejaria. Não à toa, o programa musical foi batizado de "Som dos Maltes".
Ao lado, mais um lance de escadas dá acesso ao segundo andar, com espaço mais amplo e mesas, além da cozinha ao fundo. "Depois que você abre, a casa não pertence mais a você, e sim ao público. É ele que dá as direções. A ideia no piso superior era mais de um restaurante, para jantar. Hoje virou quase uma pré-balada, com diversos aniversários, gente de pé, animação. É um clima de bar mesmo, o que mostra que o público queria isso, e não o que a gente achava que seria", conta Marcus de sua mesa predileta no bar, embaixo da escada que dá acesso ao piso superior.
Marcus é uma espécie de diretor operacional da Cervejaria Nacional e acompanha o dia a dia da casa. Consultor experiente na área de gastronomia, trabalhou por mais de 25 anos em diversos projetos. "Sou de Mato Grosso e fui morar e Minas Gerais no final da década de 80 para trabalhar no bar de um tio. Comecei lavando louça, fazendo faxina, da base mesmo. Depois vim para São Paulo, me estabeleci e nunca mais saí", conta.
O passado e o futuro
O diretor conta que o nascimento da Cervejaria Nacional como é hoje foi fruto de uma coincidência, de um encontro com os autores originais da ideia, Luis Fernando Fabiani e Eduardo Toledo. O primeiro teve contato com a fabricação caseira de cervejas (homebrewing) nos Estados Unidos na década de 90, quando fazia mestrado em Nova York. Ao voltar para o Brasil, trouxe o equipamento e fazia cerveja para os amigos no apartamento. Um deles era Eduardo, que estimulou a ideia de montar um negócio. Em 2006 os amigos fizeram uma nanocervejaria em Pinheiros. Mas o negócio patinava.
Em 2008, procuraram a consultoria onde Marcus trabalhava, vizinha da fábrica. Ele, por sua vez, já tinha a ideia de montar um negócio próprio e conhecia a arte da cervejaria de uma viagem para Boston, também nos EUA, quando visitou a filha que estudava no Exterior. "Eu estava fora no dia. Uma pessoa que trabalhava comigo me ligou e disse que eu não ia acreditar no que havia acontecido. Que tinha um pessoal com uma cervejaria em Pinheiros e que gostaria dos nossos serviços. Entramos em contato, e a ideia rapidamente evoluiu para uma sociedade. Tínhamos habilidades complementares, eles de cerveja e eu de negócios de gastronomia", conta.
Em meio a isso, a ideia evoluiu para o conceito de brewpub, e a equipe deu início ao trabalho de preparação. Houve muito planejamento antes de abrir as portas, assim como de projeto do local. Definido o ponto, o espaço foi alugado em 2010, 14 meses antes da abertura oficial, só para a preparação.
Hoje, olhando o movimento do seu ponto de observação predileto, Marcus se diz realizado. "A cerveja é a alma do nosso negócio. Tem aqui muito de negócio sim, mas sem alma não valeria a pena. De vez em quando observo as demais mesas discretamente. Vejo que eles estão bebendo a nossa cerveja, que produzimos aqui, o que me dá muito prazer e orgulho. Nós fizemos. Não é incrível isso?", diz.
A Cervejaria Nacional tem em seu público tanto leigos quanto cervejeiros de carteirinha. O segredo, de acordo com ele, é a qualidade dos produtos, tanto da cerveja como alimentação e atendimento. A equipe da Nacional conta hoje com mais de 40 pessoas, além dos 10 sócios − parte deles apenas investidores.
"Queremos de garantir a permanência do negócio, por mais três, cinco, 10, 15 anos. Mas também queremos expandir. Estamos estudando várias ideias, mas ainda não definimos em qual investir", diz Marcus sobre o futuro do negócio. O lançamento da versão engarrafada da Mula é uma dessas experiências. A brassagem é feita na fábrica da Dortmund, em Serra Negra (SP), onde é envasada e pasteurizada. O plano é fazer tudo da mesma forma como a Nacional foi criada: com muito planejamento: "Empreender é lidar com riscos. Temos que tentar ter o máximo de controle possível para evitá-los".