A alma da coruja
/Solar na parte mais antiga de Porto Alegre é a síntese de uma inquieta cervejaria apegada à cultura e à experimentação. Conheça um pouco desse Centro Cultural Cervejeiro pelo olhar de um de seus guardiões, que preparou este artigo especialmente para a Beer Art
Tiago Eduardo Genehr
Beer Art 15 - fev/15
Porto Alegre - Quem passa pela frente consegue enxergar um café instalado em uma casa antiga. Começando a visita pelos fundos, pode-se imaginar um laboratório. Atravessando o Solar Coruja, a variedade de atividades impressiona. O Solar Coruja tem uma grande missão, levada muito a sério por seus idealizadores, Micael Eckert e Rafael Rodrigues, fundadores da Cerveja Coruja, em Porto Alegre/RS [que atualmente tem sua produção na fábrica da Saint Bier, em Forquilhinha/SC, que será tema de uma das próximas seções da Fonte].
Neste centro cultural cervejeiro na capital gaúcha, cada canto, cada ambiente, tem algo interessante para olhar. São obras esculpidas por Caé Braga, outras talhadas em madeira pelo “Renegado” Adroaldo Eckert, equipamentos antigos de cervejarias da região, representando tecnologias disponíveis em outras épocas. Vale a pena circular pelo prédio e explorar todas estas facetas, culturais, científicas e cervejeiras.
Um dos objetivos do Centro Cultural Cervejeiro é aproximar o público dos cervejeiros e profissionais envolvidos na produção e distribuição da bebida, e isso ocorre de várias formas. A troca de informações beneficia toda a cadeia produtiva e flui por meio de treinamentos, visitas guiadas, cursos e oficinas. As pessoas têm curiosidade em saber mais sobre as diferentes cervejas e ficam fascinadas ao saber de todo o trabalho envolvido na produção da cerveja, a quantidade de variáveis a controlar, o tempo que leva até chegar ao copo. Morder tipos diferentes de malte e encontrar aquele sabor na cerveja que se toma, sentir o aroma de lúpulo fresco, e lembrar na hora de outros aromas que conhecemos são experiências reveladoras, que nos conectam com algo ancestral na humanidade.
O encontro com a cachaça
Um momento inusitado no Solar, em 2014, foi o encontro da cerveja com a cachaça. Três barris de carvalho nos quais a cachaça WeberHaus, de Ivoti (RS), foi maturada agora estão cheios de cerveja, maturando e mesclando os elementos da madeira, cachaça, cerveja e a exposição ao ar. As primeiras degustações, após um período de 2 meses, mostraram notas muito agressivas, ácidas e alcoólicas, atenuadas após meio ano e agora evoluem da forma mais graciosa. E pensar que chegamos a considerar se aquilo realmente teria algum resultado positivo, ou teria que ser jogado fora. A maior parte continua maturando, vale a pena conferir de perto e sentir o clima de adega antiga. Os aromas que encontramos nestas cervejas envelhecidas nos fazem imaginar como eram as cervejas de antigamente. O prédio que abriga o Solar Coruja, construído em 1906, tinha na parte de baixo espaço destinado a depósito de mantimentos e o trabalho dos serviçais, já que a família habitava a parte de cima. Quem sabe se, já naquela época, não haviam barris, provavelmente de carvalho, cheios de cerveja ou vinho, maturando ali no mesmo lugar?
Uma experiência similar ocorre na fábrica, apenas em outra escala, sob controle dos cervejeiros de lá. Resultados obtidos lá e aqui podem depois ser comparados, gerando informações e resultados de forma mais consistente.
O encontro de arquitetos com cervejeiros resultou em algo transcendental. Com inspiração na Proporção Áurea, a sequência de Fibonacci, os maltes e lúpulos foram escolhidos, as rampas de brassagem e fermentação foram desenhadas, e nasceu a Cerveja Áurea. Arquitetos ligados ao IAB/RS – Instituto dos Arquitetos do Brasil, com os cervejeiros da Coruja, pensaram muito sobre este projeto, muito mesmo, tanto que a cerveja leva ainda a marca do pensamento na forma de um ingrediente. Como se vê nos quadrinhos, o pensamento se assemelha a uma fumaça, ao redor da cabeça, e para representar isto o malte defumado foi acrescido na infusão.
A cerveja 100% nacional
Quando se encontram especialistas em cerveja e seus ingredientes, surgem ideias inovadoras também. A partir da plantação de lúpulo de um cervejeiro, vem a ideia de fazer uma cerveja com ingredientes totalmente nacionais, e ainda por cima oriundos do estado. Foi uma das experiências realizadas no Solar Coruja, divulgada pela Revista Beer Art. A cerveja, brassada em 20 de setembro, data alusiva à Revolução Farroupilha, não tem nenhum intuito comercial, a princípio, e mesmo sendo uma brassagem pequena, representa um grande passo para a construção da tradição cervejeira local. Mais experiências desse tipo estão sendo criadas, e embora não se tornem produtos comerciais, disponíveis ao público, com certeza promovem também a união de diversos conhecimentos. O potencial de aprendizagem, mesmo nestes momentos informais, é muito valioso para quem é curioso e quer evoluir no meio, seja profissional ou amador.
O entrosamento entre as artes cervejeira e gastronômica produz resultados interessantes também, para ver, sentir e degustar. Um dos pratos da casa, que já virou a marca do Solar, é o sanduíche de lombo de porco cozido no chope. A mostarda servida para acompanhar pães e salsichas, também é feita na casa, obviamente com cerveja também, com variações de picância.
Para concluir este artigo com consistência, segue uma foto de um pão, feito com malte cervejeiro. Para imaginar a época, ainda no período Neolítico, em que a cerveja era feita a partir de pães, ou algo parecido, para fazer algo parecido com o que conhecemos como cerveja hoje.
ONDE FICA
Rua Riachuelo, 525, Porto Alegre, Rio Grande do Sul