Walter Simões Júnior

O criador da Cervisia - Alquimia Cervejeira entrevista fundadores da Cuesta Microcervejaria, de Botucatu (SP), e deixa claro por que essa nova e premiada cervejaria tem muito a contribuir com a evolução da cerveja brasileira.

Walter Simões Júnior na Cuesta, cervejaria por ele escolhida como tema da coluna na Revista Beer Art (Foto: Arquivo Pessoal)

Walter Simões Júnior na Cuesta, cervejaria por ele escolhida como tema da coluna na Revista Beer Art (Foto: Arquivo Pessoal)

Beer Art 13 - dez/14

Ao conquistar medalha de prata na Copa Cervezas de América 2014 com uma Witbier, a Cuesta, de Botucatu (SP), atraiu curiosidade internacional. Para revelar aos leitores da Beer Art que cervejaria é essa, fiz uma entrevista com dois dos idealizadores. As respostas formam não apenas um cenário revelador da premiada cervejaria, que preserva a alma caseira em uma escala industrial, mas também trazem uma visão interessante sobre a cena atual no Brasil. Confira:


OS ENTREVISTADOS

Marcelo Henrique Breda (Foto: Divulgação)

Marcelo Henrique Breda (Foto: Divulgação)

Responsável pela criação e pela produção das cervejas da Cuesta, Marcelo Henrique Breda (do Blog Breja do Breda) é certificado pelo BJCP-USA como "Beer Judge" desde 2013. Formado em Tecnologia Cervejeira Avançada (Senai de Vassouras-RJ, em 2013) e Sommelier de Cervejas (ABS-SP, em 2011), é cervejeiro experimental desde 2005. Produziu artesanalmente mais de 25.000 litros de cerveja de 21 estilos, todos com receitas por ele elaboradas e aprimoradas, sempre seguindo os estilos do BJCP. É autodidata nos conhecimentos avançados da arte do Hidromel e desenvolve técnicas adaptadas à região da Cuesta de Botucatu para a produção artesanal de Sidra 100% maçãs (sem adição de açúcar). Possui em seu portfólio um projeto aprovado na Fapesp para produção artesanal de Sidra que deve ser concluído ainda em 2015 junto à Unesp Campus de Botucatu - Departamento de horticultura - Laboratório de Bebidas da Fazenda Lageado em Botucatu-SP.

Eduardo Freitas Melro Sardinha (Foto: Divulgação)

Eduardo Freitas Melro Sardinha (Foto: Divulgação)

Também sócio fundador, Eduardo Freitas Melro Sardinha é o administrador da cervejaria. É cervejeiro caseiro desde 2009.


 

O SURGIMENTO

A ideia surgiu nas mesas dos bares especializados em cerveja de São Paulo, capital, nos meses finais de 2010. A Cuesta Microcervejaria foi criada em 2012, com o objetivo de produzir cervejas de alta qualidade mantendo o toque artesanal da produção caseira de cervejas e suas características, de modo a preservar a tradição cervejeira de seus sócios, todos oriundos do movimento homebrew brasileiro. Possuímos grande influência das escolas belga e inglesa e nos mantemos fiéis aos mais tradicionais ingredientes utilizados nesses países para a confecção de nossas bebidas.

O DIFERENCIAL

É adicionar um toque tropical às bebidas trazendo leveza à degustação, com o foco de levar ao brasileiro o prazer de degustar ótimas cervejas associado ao orgulho de saborear produtos nacionais e de procedência. Nascida nas “Missas” paulistanas, a Cuesta Microcervejaria é o resultado do sonho de alguns amigos cervejeiros que decidiram deixar as panelas e alçar um voo mais arrojado montando uma microcervejaria para produzir suas cervejas – que já eram muito conhecidas no meio cervejeiro artesanal – em uma escala industrial.

Temos um diferencial que é produzir cervejas “de panela” em uma fábrica de porte. O que isso significa? Não nos corrompemos à questão comercial como a quase totalidade das cervejarias atuais, sem nenhum demérito para qualquer dos lados, mas temos o orgulho de manter a mesma qualidade de nossas cervejas caseiras mesmo produzindo 6.500 litros mensalmente, o que sabemos e percebemos quando bebemos as “Especiais” por aí.

Além disso, nossas cervejas são criadas e produzidas pelos próprios donos, ou seja, não somos somente empresários que contratam pessoas para fazer cerveja, somos os empresários cervejeiros, nossa “cervejice” está no sangue. Mais do que somente beber as cervejas que alguém produz em nossa fábrica, produzimos de fato as cervejas que bebemos (e vendemos), e isso faz sim uma tremenda diferença, afinal sempre fomos exigentes para consumir cervejas de qualidade, dentro e fora do Brasil, então não seria concebível para nós produzirmos cervejas que não superassem nossa expectativa por excelentes produtos, e mantemos isso como diretriz."

O PLANEJAMENTO

A cervejaria, quando teve sua ideia esboçada no papel, seria no Estado de Minas Gerais, mas logo se mudou para São Paulo, mais especificamente para a cidade de Botucatu, na região da Cuesta, de onde originou seu nome. São quatro sócios com diferentes conhecimentos, que juntos, realizam o sonho de produzir e disponibilizar cerveja de verdade no mercado.

A PRIMEIRA

A primeira leva experimental foi de German Pils. Decidimos fazer a cerveja mais fácil que fosse possível para o primeiro contato com nosso novo brinquedo. Tudo correu muito bem, e temos essa cerveja em nosso portfólio desde então. A receita é do nosso mestre-cervejeiro Marcelo Breda e foi escolhida pelo fato de ser simples e de que o brasileiro precisa de boas cervejas, ou seja, já que a massa ainda se pauta pelas “pilsens brasileiras” que sabemos não serem realmente Pilsen de fato, resolvemos mostrar um exemplar que realmente faz jus ao estilo. O sucesso foi garantido. É uma das cervejas que mais vendemos atualmente.

A SEQUÊNCIA

Definimos que teríamos quatro estilos base − German Pils, Belgian Witbier, Irish Red Ale e Robust Porter −, e produzimos nessa ordem. A Cuesta também produz a Cerveja do Saci, nacionalmente conhecida e aprovada, uma American Brown Ale que leva em sua composição um malte torrado pelo próprio mestre-cervejeiro e que traz um diferencial muito interessante para a cerveja.

As opções da cervejaria de Botucatu (Foto: Divulgação)

As opções da cervejaria de Botucatu (Foto: Divulgação)

 

Temos ainda quatro sazonais de respeito: Belgian Tripel, Doppelbock, Belgian Dark Strong Ale e Russian Imperial Stout. As duas primeiras com receitas do Breda e as duas últimas com receitas do Eduardo Sardinha, todas com alto teor alcoólico e grande personalidade. Por último, mas de forma alguma menos importante, está a que hoje é um dos ícones das IPAs brasileiras, a já famosa Indiana American Double IPA, cerveja criada pelo Breda em parceria com uma cervejaria mineira para seu lançamento na Brasil Bier em Belo Horizonte que ocorreu em maio/2014. A primeira e única cerveja brasileira que utiliza o conceito de Ultra Hopping.

O NOME

Decidimos criar algo que se identificasse com a regionalidade. Nosso foco é fazer com que a cultura cervejeira se estabeleça desde a localidade em que se encontra e não somente fortalecer os polos onde a cultura de boas cervejas já é reconhecidamente sedimentada. A Cuesta de Botucatu é uma formação rochosa que tem pouquíssimas ocorrências no mundo. Geograficamente falando, é algo quase exclusivo e tem grande repercussão local. Além disso, a formação que aparece em nossa logomarca é uma das mais famosas em todo o Brasil pelas suas lendas, que vão desde a histórica lenda da trilha dos Incas, chamada de caminho do Peabiru, até as três pedras (figura representada em nosso logotipo) que é ponto de encontro dos fissurados em Ufologia que afirmam ser ali um ponto de pouso de espaçonaves alienígenas. Procure no Youtube sobre as três Pedras e encontrará filmes, fotos, relatos e histórias pra lá de interessantes.

A CAPACIDADE

A Cuesta iniciou suas atividades em agosto de 2012 com a capacidade instalada de 2.500 litros/mês. No momento temos uma capacidade de 6.500 litros/mês e pretendemos fechar 2014 com 8.500 litros/mês, já com olhos em ampliar rapidamente.

OS DESAFIOS

De fato não são poucas as dificuldades. Começando pela pouca cultura cervejeira dos consumidores, hoje um grande oponente para que as vendas locais sejam nosso maior mercado, porém isso cria oportunidades enormes para a realização de eventos para que possamos trazer conhecimento ao consumidor e mostrar a todos que há uma imensidade de cervejas além das que, por lavagem marketing-cerebral, fomos “doutrinados” através dos anos a conhecer.

Além disso, e isso não se aplica somente a uma cervejaria do Interior, a questão tributária nos consome. O Brasil precisa sair da teoria de incentivo do pequeno empresário e passar para a prática, nos possibilitar a tão sonhada e necessária igualdade a que temos direito e necessidade. Hoje uma pequena cervejaria (e que chamamos de microcervejaria) é merecedora de um tratamento adequado para poder sobreviver à massividade da cerveja de sete dias. Explico. O foco de uma consulta pública recentemente oferecida no Brasil versou sobre pífios pedidos de abertura dos ingredientes que poderiam ser utilizados nas bebidas, além de outros pontos, mas sem a devida objetividade. Pessoas com interesses particulares representando as cervejarias artesanais (e, diga-se de passagem, algumas delas nem poderiam mais usar essa classificação) perderam a oportunidade de discutir e pleitear o que realmente importa, a definição do que é uma megacervejaria, o que é uma grande cervejaria, uma pequena, uma micro e uma artesanal, e assim, poder dar o passo fundamental e inicial para uma justa tributação para os produtores, mas infelizmente não foi isso que aconteceu.

Hoje pagamos o mesmo imposto que a AmBev, ou seja, o que para eles já é pesado para nós é impeditivo, mas mesmo assim o verdadeiro empreendedor não desiste. Esse é nosso caso.

Outro ponto que não pode ser deixado de lado é o da indústria de equipamentos para cervejaria no Brasil. Infelizmente há muita gente se aventurando no mercado e produzindo coisas sofríveis. Não vem ao caso enumerar, mas há várias empresas (e não tão recentes assim) que produzem equipamentos totalmente sem normas adequadas, chegando ao cúmulo de vender algo que não foi sequer testado. Conhecemos empresas onde quem fabrica equipamento nem imagina como se produz cerveja, para vocês terem uma pequena ideia. Logo, o barato é ruim, o bom é muito caro e o importado só está ao alcance dos mais abastados. O BNDES não é tão fácil de se obter, como muita gente pensa e pinta, e o aço inoxidável no Brasil é algo que custa os olhos da cara. Um dia quem sabe isso muda.

Um último desafio é fazer com que a cerveja, elaborada em uma pequena fábrica estabelecida em uma pequena cidade do Interior alcance os mercados cervejeiros mais proeminentes, vencendo o alto custo do frete, a grande variedade de produtos do mercado e, mais uma vez, os impostos, pois enviar cerveja para outros estados é uma grande batalha, pois somos soterrados pela famigerada substituição tributária.

O RECONHECIMENTO

O campeonato foi das Américas, ou seja, américas do Sul, Central e do Norte estavam participando. Mais do que Sul-americano, foi um Pan-americano, com concorrentes fortíssimos como os Estados Unidos, que sabemos ter uma cultura cervejeira muito forte e sedimentada. Para nós, foi uma grande satisfação receber um prêmio tão importante e com nosso pequeno tempo de vida, afinal estamos no mercado há poucos meses, e principalmente, não contratamos ninguém para fazer nossas cervejas, elas são 100% Cuesta e 100% criadas e produzidas por nós. Feita por cervejeiros, por mestres formados no Brasil.

E, falando de Brasil, temos hoje a melhor Belgian WitBier do país, pois a medalha de ouro não foi brasileira, logo a satisfação é muito grande. Sobre pontos, os concursos não divulgam essas informações e realmente não são relevantes para os participantes. O importante é a confiabilidade do evento, que neste caso é absolutamente alta, pois tivemos 24 juízes, todos certificados para a função e com expertise internacional em julgamentos de cerveja, inclusive um brasileiro. Por isso acreditamos na transparência do evento e consideramos o resultado justo. Não conhecemos a medalhista, porém temos a convicção de que é uma cerveja excepcional, afinal somente ela foi considerada, entre outras tantas, mais excepcional do que a Cuesta Witbier.

CONCURSOS

Até o momento a Cuesta participou somente de dois concursos, a Copa Cervezas de América, onde faturamos a medalha de prata com nossa Belgian Witbier, e a Brasil Beer, onde inscrevemos somente nossa Indiana American Double IPA, em cuja oportunidade ficamos entre as “seis” melhores de 37 IPAs brasileiras inscritas. O que nos dá a possibildade de acreditar e muito no potencial de nossas cervejas. Mas pretendemos entrar em mais eventos a partir de 2015.

Pode-se dizer que o Brasil tem uma escola cervejeira? Confira a opinião dos fundadores da Cuesta (Foto: Divulgação)

Pode-se dizer que o Brasil tem uma escola cervejeira? Confira a opinião dos fundadores da Cuesta (Foto: Divulgação)

 

O MOVIMENTO

Fazemos parte desse mundo como cervejeiros caseiros desde 2003 (no caso do Breda) e desde 2009 (no caso do Sardinha). O que vivemos hoje no Brasil é um forte movimento que só tem um destino: crescer muito, pois ainda há muita cultura para ser espalhada e muito mercado para ser conquistado. Exemplo disso são as gigantes lançando cervejas melhores para poder manter seu público, mas infelizmente ainda com o vício de produzir cervejas de baixo custo e utilizando matérias-primas baratas, ou seja, não fazem cerveja somente com malte como nós. Mas o mercado aos poucos filtrará essas cervejas e caminhará para os produtos bem elaborados.

Sobre a América do Sul, o Brasil é na minha opinião o melhor colocado em produção de cervejas ditas especiais e não acredito que seremos ultrapassados, porém cabe a nós colaborar para que todos os nossos vizinhos engajem nessa nova etapa e continuem mantendo essa onda forte. Perante o mundo o Brasil tem muito a remar, se compararmos a cultura cervejeira brasileira com a norte-americana e com a europeia (principalmente belga, alemã, tcheca, inglesa, irlandesa, para não falar de outras tantas), estamos engatinhando, mas o mais importante: não vamos parar por aqui, tenha certeza, hoje o Brasil já tem inúmeros reconhecimentos internacionais e continuará a recebê-los.

O BRASIL É UMA ESCOLA CERVEJEIRA?

Infelizmente, não. Sei que isso é uma afirmação superpolêmica, mas não somos. Nem os EUA são considerados oficialmente como uma escola cervejeira, ainda. O Brasil está muito distante disso e nem sei ao certo se um dia seremos assim considerados. Esta é uma questão muito polêmica e estamos mexendo com fogo ao falar disso, mas no meu entendimento e não tenho nenhuma pretensão em estar certo, as escolas cervejeiras assim consideradas oficialmente são a Belga, a Alemã e a Inglesa, não há outras, nem a Irlanda que tem cervejas famosíssimas e que mudaram o panorama cervejeiro em oportunidades históricas é de fato uma escola.

O Brasil não tem lúpulos originalmente brasileiros, não tem cepas de leveduras autenticamente nativas e para o uso adequado a produção de cerveja, produzimos pouquíssimos cereais cervejeiros como cevada, trigo e temos um número reduzidíssimo de maltearias no país. Só por aí já dá pra entender o que nos separa de ser uma Escola Cervejeira.

Muita gente se julga inovador por misturar vegetais, frutas e ervas nas cervejas hoje no Brasil, diga-se de passagem, sem a permissão legal, inclusive, mas se olvidam de que a Bélgica produz cervejas com frutas e ervas há séculos, isso mesmo, séculos, ou seja, não estamos inovando, quiçá pela variedade do vegetal ou da erva ou até da mistura delas que utilizamos, mas nada disso é uma autêntica criação e que seja mundialmente copiada por ser uma Cerveja autenticamente Brasileira. O incrível é que ninguém divulga que usa sacarose... os belgas usam e com muito louvor, só que aqui o povo esconde e ainda jura fazer cervejas puro malte. Mas isso é somente minha opinião, ok? Isso vai gerar uma polêmica sem fim...

COMO A CUESTA CONTRIBUI PARA O CRESCIMENTO DESSE MOVIMENTO

Começando pelo Breda, que possui um dos mais referenciados Blogs cervejeiros do Brasil e que quase todo cervejeiro caseiro já acessou e aprendeu lá algo importante, A Cuesta impulsiona junto a outras tantas pequenas brasileiras a chama para acender no brasileiro a cultura de boas cervejas, mantendo nossa linha de produzir realmente cervejas de qualidade e sempre com o toque “caseiro” no sentido de manter as características das nossas cervejas, visamos mostrar aos consumidores que vale a pena enveredar por esse caminha (sem volta), pois, ao se tornar conhecedor da boa cerveja, inevitavelmente o consumidor passa a perceber o que é uma cerveja de massa e, raramente volta atrás.

ONDE ENCONTRAR AS CERVEJAS DA CUESTA

Hoje estamos presentes em casas de cervejas especiais de Botucatu, São Paulo, Nova Lima e Belo Horizonte. Em nosso site (www.cervejariadacuesta.com.br), é possível verificar o ponto mais próximo de vocês. Estamos expandindo e em breve estaremos bem difundidos no Brasil inteiro.

OS PRÓXIMOS LANÇAMENTOS

Lançaremos a Belgian Tripel com 9,0% de teor alcoólico ainda este ano. Teremos as outras três sazonais para o inverno de 2015.

JOGO RÁPIDO (com Breda)

  • Um estilo − Belgian Tripel
  • Uma harmonização − Uma boa massa recheada ao molho de quatro queijos.
  • Uma cerveja inesquecível − Maudite (porque é inesquecível, quem conhece entende o que eu digo)
  • Um bar para se conhecer − O bar da La Trape no mosteiro onde se localiza a cervejaria na Holanda. Por ser fantástico e por ter um carinho especial com visitantes brasileiros.