Cervejaria Cigana e Contract Brewing não são sinônimos
Em artigo, advogado aficionado por cervejas explica a diferença das duas modalidades
Ultimamente muito tem se falado a respeito da expansão das cervejarias ciganas nos cenários nacional e internacional. Contudo, o conceito é relativamente novo e tem causado muita confusão com a modalidade de produção denominada contract brewing. Por isso, é importante diferenciar os dois termos de forma definitiva, explicando cada um separadamente.
Antes de começar a definir cada conceito é preciso ressaltar que o presente texto não tem a pretensão de esgotar a discussão sobre o tema. Trata-se apenas de uma tentativa de esclarecer as diferenças básicas entre cervejaria cigana e contract brewing, conceitos ainda nebulosos para muitos, com o intuito de evitar o erro de confundi-los como sinônimos.
Cervejaria Cigana
Como muitos aficionados pela “Escola dinamarquesa” de cerveja (desculpem os puristas) já sabem, o nome cervejaria “cigana”, gypsy em inglês, foi criado pelo cervejeiro dinamarquês Mikkel Borg Bjergsø, proprietário da cervejaria Mikkeller, a qual está registrada na Dinamarca mas já produziu cervejas em Cingapura, na Coréia do Sul, na Espanha, na Bélgica e nos EUA. A Mikkeller, que abriu um bar em San Francisco/CA, é um dos melhores exemplos de cervejaria cigana clássica. “Mas o que vem a ser uma cervejaria cigana?” Cervejarias ciganas são basicamente cervejarias que não possuem fábrica própria, motivo pelo qual “alugam” o espaço ocioso de outras cervejarias para produzirem as suas cervejas.
Também chamadas de cuckoo (cuco, ave que não faz ninho) ou phantom (fantasma), as cervejarias ciganas são mais antigas do que se imagina. Existem estudos que demonstram que a produção terceirizada remonta do Antigo Egito, quando vinho e azeite de oliva eram produzidos de forma colaborativa. Mais recentemente a indústria vinícola desenvolveu um sistema semelhante, no qual os vinhos de vinicultores incipientes eram produzidos em vinícolas com espaço vago.
O grande atrativo das cultuadas cervejarias ciganas do ponto de vista comercial é o preço: para a criação de uma cervejaria cigana é necessário um aporte de capital inicial 10 vezes inferior ao que teria que ser investido numa fábrica própria. Assim, empreendedores que querem investir no mercado cervejeiro, para migrar dos baldes de plástico para os grandes fermentadores de inox, tem optado pelo modelo cigano, menos custoso e mais prático.
Há alguns anos vistos no mercado americano como “falsos” cervejeiros, ávidos por dinheiro e rivais dos cervejeiros locais, hoje os ciganos gozam de um prestígio sem precedentes, participando de brassagens em diversas cervejarias já estabelecidas e renomadas, elaborando cervejas colaborativas de altíssima qualidade. No Brasil tem se destacado a Cervejaria Dogma, cujas cervejas despertam o desejo de diversos amantes das artesanais, esgotando prateleiras de empórios Brasil afora em pouco tempo.
Contract Brewing
Além de Mikkel, a Dinamarca possui outro ilustre cervejeiro cigano, o irmão “mau” do proprietário da Mikkeller, Jeppe Jarnit-Bjergsø, dono da espetacular gypsy brewery Evil Twin Brewing. O irmão gêmeo (sim, eles são gêmeos, apesar de não se suportarem, acredite se quiser), após ter se desentendido com o irmão abriu sua própria cervejaria, também cigana. A Evil Twin, assim como a Mikkeller, produz cervejas em cervejarias do mundo todo. Em 2014 Jeppe (lê-se Yeppe) visitou o Brasil e produziu algumas cervejas na cervejaria Tupiniquim de Porto Alegre/RS, uma das melhores e mais premiadas cervejarias nacionais.
“Tá, mas e qual a diferença do contract brewing para a cervejaria cigana?” Primeiramente é preciso entender que contract brewing é uma modalidade de produção de cerveja usada pelas cervejarias ciganas. Por meio do contract brewing é feito um contrato, muitas vezes apenas verbal, no qual a cervejaria cigana “aluga” a fábrica de outra cervejaria para produzir seu “néctar”. Todavia, não são apenas cervejarias ciganas que se utilizam do contract brewing, muitas cervejarias que têm a sua fábrica fazem cervejas colaborativas juntas, utilizando a fábrica de uma delas, criando-se assim uma relação de contract brewing entre cervejarias não ciganas.
Nesse ponto, vale lembrar que até a Evil Twin a partir de 2017 deixará de ser uma cervejaria cigana propriamente dita, já que foi anunciado há poucas semanas que eles abrirão uma fábrica no Brooklyn, em Nova Iorque/NY. Porém, mesmo com a futura fábrica própria, Jeppe garantiu que não deixará de produzir cervejas na modalidade contract brewing em outras cervejarias, que seguirá sendo a maior fatia da produção da cervejaria dinamarquesa.
Ainda sobre o tema é necessário fazer um alerta às cervejarias, ciganas ou não, sobre a prática do contract brewing: com o crescimento vertiginoso do mercado cervejeiros brasileiro e as produções colaborativas cada vez maiores é imprescindível cada vez mais a elaboração de contratos físicos, confeccionados, de preferência, por um advogado especializado e conhecedor do tema, deixando de lado apenas a contratação no “fio do bigode”. Apenas por meio de um contrato bem redigido e que atenda às necessidades de ambas as partes é possível evitar que uma relação cervejeira amistosa e lucrativa venha a tornar-se um grave prejuízo financeiro.
*Advogado, sócio do escritório Lopes, Verdi e Távora Advogados (Untappd: andregsmlopes)