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Baden Baden, paixão artesanal, disciplina industrial

BeerArt sobe a serra paulista e conhece a filosofia da Baden Baden

O mestre-cervejeiro cuida do "pulmão" da Baden Baden (Foto: Rodrigo Cavalheiro/Beer Art)

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Rodrigo Cavalheiro
(Texto, fotos e vídeo)
Beer Art 3 - dez 2013

Campos do Jordão (SP) - São 9h em Campos do Jordão, e um cheiro leve de bolo caseiro sai da cozinha da cervejaria Baden Baden, numa colina com pinheiros, passarinhos e outras referências bucólicas. Os primeiros turistas do dia descobrem, ainda na recepção, que não poderão fazer fotos ou vídeos dentro da fábrica quando Marcus Dapper abre a tampa de um tanque prateado batizado de "pulmão". O odor se adensa, como se um fogão à lenha estivesse dentro do cilindro e dali fosse sair uma fornada. De certa forma, vai. Só que engarrafada e em uma escala que faz o lema da casa, "Cerveja feita à mão", parecer uma homenagem à origens, a esta identidade de "coisa do interior" que a Baden Baden cultiva.

No "forno" (o nome técnico da cozinha é "sala de brassagem") está um lote de Pilsen, a linha mais vendida da cervejaria, criada em 1999 e dona de prêmios internacionais que têm aumentado a curiosidade sobre ela. Questionado sobre o "segredo" para a boa reputação entre crítica e público, Dapper destrói qualquer expectativa em torno de uma receita escondida a sete chaves.

Foto: Rodrigo Cavalheiro/Beer Art

"Compramos o malte de empresas conhecidas, o lúpulo também. A água daqui é boa sim, mas hoje, com tratamento a custo mais baixo, se consegue a mesma qualidade em outros lugares. Estar em uma região fria também não é um trunfo em si. Atrai turistas, mas não ajuda a produzir cerveja", desmitifica.

Não por acaso, há fábricas abrindo no Nordeste em localidades que em nada lembram a verde Baden Baden original, cidade de 50 mil habitantes no sul da Alemanha. Os grandes fabricantes estão de olho em subsídios estatais e em mão de obra barata que compensam com folga corrigir o alto teor de sais da fonte da região, por exemplo.

Paixão e disciplina

são os ingredientes

Se a Baden Baden tivesse uma receita que justificasse a aura de mistério sentida por quem visita a fábrica, diz o cervejeiro, ela teria menos a ver com criatividade, e mais com disciplina. É preciso chegar à fábrica cedo e conferir o "hemograma" de cada lote. Detectar variações surpreendentes a tempo e corrigi-las. Fazer com que cada remessa seja a cópia fiel da anterior. Que cada gole se pareça àquele que conquistou o cliente em sua primeira visita a Campos do Jordão, naquele fim de semana inesquecível no melhor hotel da cidade.

"Diria que é preciso misturar dois ingredientes: paixão e disciplina", resume.

"Paixão porque lidamos com fermento, que é algo vivo. Às vezes ele vai dormir tarde na noite anterior, dorme de calça jeans, demora para acordar de manhã, tem mau humor. Se nós estamos com sono, tomamos um café ou um chimarrão para acordar. Temos instrumentos para fazer o mesmo se está 'sonolenta' a cerveja", compara o gaúcho de Porto Alegre, que ouve as mesmas piadas, sobre a boa vida de passar o dia bebendo cerveja ou por que não tem barriga, quando visita a família.

Esta correção de rumo no produto em parte é feita com testes sensoriais, o que na boca dos turistas vira "provinha". O cervejeiro degusta a amostra para saber se aquele tanque está de acordo com o padrão. Por precaução, Dapper toma um café da manhã reforçado, com frutas, e não marca compromissos em que tenha que dirigir logo após os cerca de 10 goles matinais. São as pitadas de paixão, que interferem na vida pessoal.

A disciplina que Dapper cita como ingrediente essencial ‒ há obsessão por limpeza, organização e automação ‒, é um trunfo da casa, difícil de alcançar em cervejarias menores. A Baden Baden tem capacidade para produzir 160 mil litros por mês e pega carona em uma rede de distribuição que coloca suas garrafas em todas as casas do Sudeste especializadas em cervejas gourmet, bem como em grandes mercados com seções de cervejas especiais na região.

Esta injeção de sobriedade em escala industrial ocorreu em 2007, quando a Brasil Kirin (cuja principal cerveja é a Nova Schin) comprou a fábrica. O negócio aguçou a exigência por cumprimento de metas, modernizou o maquinário. Em uma microcervejaria com know-how de grande, a produção dobrou. "Há mais condição de produzir cerveja com regularidade no sabor. O laboratório, por exemplo, tinha metade do tamanho. Agora temos uma pequena fortuna em equipamento sobre uma mesa para fazer testes. Esta é a vantagem de pertencer a um grupo grande", aponta Dapper, que acumula as funções de chef e chefe.

A "concorrência"

veio para ajudar

Como gerente da fábrica, este gremista domina a parte de gestão de pessoal e logística. As garrafas vão primeiro para a sede da Brasil Kirin em Itu, onde um só tanque de cerveja "não gourmet" tem capacidade para mais de 1 milhão de litros. Por isso a Baden Baden, sustenta ele, ainda usa o lema "feita à mão" ‒ cada lote, umas 5 mil garrafas, tem supervisão humana.

Quarto cervejeiro da história da Baden Baden, Dapper não perde o sono com a multiplicação de marcas gourmet, pelo contrário. Brinda o boom dos últimos seis anos, as experiências caseiras e a criação de micro e nanocervejarias. Isso torna mais populares as cervejas especiais, um universo que ele adora por fermentar uma camaradagem que não existe entre as grandes marcas.

"Às vezes um maluco deixa duas garrafas na porta da fábrica para que a gente experimente e dê alguma opinião. Ele nem quer produzir em série, lucrar com isso. Só quer saber se exagerou em algum ingrediente, quer melhorar", lembra Dapper, rindo da pitada de amadorismo.

Macus Dapper explica em vídeo de 1 minuto e meio
a diferença entre cervejeiro, cervejólogo e cervechato

Em meio a tantas novas marcas, a tecnologia faz diferença na hora de competir porque, segundo ele, em uma fábrica pequena o conteúdo de cada garrafa tende a ser uma surpresa. "Insisto na importância disciplina, do trabalho de rotina, a cada manhã olhando cada tanque. Se em determinado dia noto diferença em algum lote e gosto, minha obrigação é não cair na tentação de mudar o padrão. Por mais que eu tenha gostado, preciso corrigir", explica o cervejeiro que começou na Polar em Estrela, esteve por 18 anos na Ambev, e está na Baden Baden desde o início de 2012.

Dapper associa a febre dos experimentos e novas marcas à influência das escolas belga e americana de cervejeiros, mais permeáveis à inovação. A escola alemã, na qual ele buscou formação e se inclui, tem como grande trunfo justamente "seguir a tradição", sem inventar muito.

Chocolate é inspirada

no hábito dos turistas

Foto: Rodrigo Cavalheiro/Beer Art

Pela cozinha da fábrica que coordena, passam com regularidade sete rótulos (Pilsen, Weiss, Golden, Bock, Stout, Red Ale e 1999, ordenadas em volume de produção). Há ainda duas cervejas sazonais: a Celebration, que só sai no inverno, a Christmas, que só sai no Natal. A Tripel, de alto teor alcoólico, 14 graus, teve edições limitadas, em 2008 e 2010.

A caçula e xodó da casa é a Chocolate, criada este ano e a melhor de 2013 no estilo "chocolate" segundo a World Beer Awards. Criada para ter uma edição limitada, ela agradou e, fim do mistério, passará a ser sazonal ‒ produzida já para a Páscoa de 2014.

Ampliar as variedades é uma meta da Baden Baden, mas também um desafio. "Cada vez que trocamos o estilo de cerveja, é preciso limpar todos os tanques. Se não ficou bom, jogar o que está lá fora e limpar de novo. Isso faz com que em uma fábrica de cervejas especiais o desperdício seja imensamente maior que em uma grande", diz.

A Chocolate, por exemplo, surgiu não de um experimento genial de laboratório ou por um golpe de sorte, mas de um estudo sobre o consumidor da Baden Baden, em geral um turista sem grandes preocupações financeiras que sobe a serra paulista para passar o fim de semana comendo e dormindo bem, atraído pelo frio. Nas pesquisas sobre seus hábitos, apareceu a compra de chocolate depois de apreciar a culinária alemã no restaurante da Baden Baden, uma referência gastronômica no centro da cidade, a 2,7 km da fábrica.

"Fomos pesquisar em outros países quem produzia cerveja chocolate. Havia uns oito rótulos e analisamos amostras. As cervejas no Brasil não podem ter derivados de leite, por ser um produto de origem animal. Mel, usado em cervejas belgas, por exemplo, está proibido. Usamos baunilha e cacau puro, que remete ao chocolate no sabor e no cheiro", explica. "Mandamos para o concurso sem muita pretensão", diz, apontando os tonéis da cozinha reservados especialmente para experimentos. "A Chocolate saiu daí".

Provavelmente por isso, passar um feriado em Campos do Jordão, a 173 km de São Paulo, ‒ com 1.628 metros, o mais alto município brasileiro, com temperatura mínima média de 8,6°C e máxima de 20,9°C ‒ seja indissociável de beber uma Baden Baden no respectivo restaurante (com o rótulo virado para a calçada). Provavelmente por isso, visitar sua fonte seja uma mania. No inverno ‒ e o cervejeiro admite passar mais frio na serra paulista do que na capital gaúcha ‒, é preciso reservar com dias de antecedência um lugar na visita guiada pela fábrica, batizada comercialmente de "experiência sensorial" ‒ reservas no (12) 3664-2004 ou filas de duas horas, sem garantia de conseguir vaga. Pagando R$ 15, uma pechincha em uma das cidades mais caras do Estado mais caro do país, o visitante conhece a sala de prêmios e a história da empresa, é apresentado aos oito tipos de malte e aos sete de lúpulo. Vê como funciona a cozinha, sente o cheiro do bolo saindo do forno e, por fim, prova duas fatias, Cristal e Bock, bem tiradas.

Por que o Sudeste é

foco da distribuição

Embora não disfarce o orgulho com o desempenho da nova "filha", o cervejeiro garante que os prêmios não são uma obsessão. A política é inscrever-se nos principais. "Não fazemos cerveja pra concurso. Algumas cervejarias se orgulham da quantidade de prêmios que conquistaram e usam como marketing. Isso porque para o público é difícil mesmo saber quais são os concursos mais tradicionais mundo afora. Mas é uma estratégia", diz o gaúcho, que abusa do tchê a cada resposta e mantém um quadro da estátua do Laçador na parede do escritório.

Ele explica que a Baden Baden não chega a sua região natal com a frequência e variedade do Sudeste, primeiro, por uma questão de mercado. A Eisenbahn, de Blumenau, também foi comprada pela Brasil Kirin, em uma ofensiva sobre as cervejas artesanais interpretada por especialistas como uma tentativa de se associar a marcas locais fortes no Sudeste ‒ região em que a Nova Schin sofre rejeição, embora seja líder no Nordeste. Apesar de a Baden Baden e a Eisenbahn terem suas particularidades, um iniciante as coloca em geral na categoria "cerveja forte". Pelo mesmo motivo, parte do portifólio da Eisenbahn não chega ao Sudeste.

Outra razão para a Baden Baden se concentrar no Sudeste é a qualidade. "Tirando casos muito específicos, uma cerveja nova é melhor. Ela também perde qualidade por oxidação, se passar por calor e por muita agitação no transporte. Podemos garantir a qualidade até ela sair da fábrica, depois as variáveis aumentam e nos resta torcer. A mais fresca está mais perto da fábrica", explica o cervejeiro.