É a hora da gestão nas microcervejarias

Para encarar o cenário transformador de 2015, confira as dicas de dois estrategistas ouvidos pela Beer Art

No contexto de avanço das grandes cervejarias sobre o consumidor de artesanais e outras mudanças, a Beer Art consultou especialistas para apontar o caminho às independentes (Foto: Ricardo Jaeger/Beer Art)

Altair Nobre
Beer Art 16 - mar/15

Reforçada com a inclusão da Wäls na Ambev, a concorrência com as grandes é apenas um dos desafios no horizonte das microcervejarias independentes. Chegou o momento da depuração, a hora em que as profissionalizadas vão se firmar e as amadoras vão sucumbir. Para montar o cenário de 2015, é preciso considerar também o aperto financeiro no Brasil e as novas regras tributárias, que entram em 1º de maio.

Para ajudar as microcervejarias a pensarem suas estratégias, a Revista Beer Art recorreu a dois especialistas com consistente experiência como executivos de grandes cervejarias - entre elas, o próprio grupo Ambev: Edmundo Albers e Túlio Rodrigues. A partir das entrevistas com eles, montou um quadro que permite ao empreendedores do segmento perceber as oportunidades e as ameaças. Confira a seguir.


Edmundo Albers  Executivo com 42 anos na indústria da bebida, desde a Polar (antes da Ambev), em Estrela (RS), passando por 22 anos de Antarctica e 14 anos de Heineken, onde se aposentou. Hoje tem sua própria empresa. É sócio da Beer Business, consultoria de gestão e planejamento de empresas no ramo cervejeiro.

EDMUND ALBERS:

"A Ambev pode comprar

quantas pequenas quiser,

que tantas outras irão surgir"

Na avaliação de Edmundo Albers, têm futuro as artesanais que vencerem a informalidade e se profissionalizarem:

A VENDA POR VOLUME CHEGOU À SATURAÇÃO

O início dos anos 2000 foi a consolidação da comoditização. A cerveja se tornou um commodity. Você não conseguia fazer uma distinção entre os produtos no mercado. Era a luta pelo preço. Como o preço na ponta não podia subir, o esforço era em reduzir o custo de produção. A indústria começou a fazer cervejas mais leves. As cervejarias construídas nos anos 80 e 90 foram para grandes escalas de produção, com entre 1,5 milhão a 3 milhões de hectolitros/ano de capacidade. Houve cervejarias que fizeram tanques de 13 mil hectolitros. Dessa forma, as fábricas perderam muito de flexibilidade. Como iriam fazer um produto específico (de nicho), se tinham de encher um tanque com no mínimo 6 mil hectolitros? A fusão Brahma/Antarctica [no início dos anos 2000] obrigou concorrentes a buscarem outro tipo de negócio. A Schincariol [hoje Brasil Kirin] teve de se concentrar em grandes volumes, atender ao Nordeste. Surgiu a Petrópolis. Hoje o mercado brasileiro não oferece muitas condições para crescimento desse tipo de produção de alto volume. Hoje a gente vê esse mercado saturado.

A BUSCA AGORA É POR MARCAS DE PRESTÍGIO

Agora o advento das microcervejarias começa a ser observado pelas grandes cervejarias. Ele era ignorado por ser uma fatia muito pequena de mercado. As grandes cervejarias buscam, com esse movimento, ter algumas marcas que possam agregar valor ao portfólio delas. Sabem que não vão ganhar dinheiro com elas: para um grupo muito grande, não dá resultado, porque o volume é muito pequeno. Negócios como esse têm a finalidade de agregar prestígio para a marca. É uma tendência. Fizeram um trabalho na Bohemia justamente com esse propósito.

AS ARTESANAIS VÃO CONTINUAR SURGINDO

A Ambev pode comprar quantas pequenas quiser, que tantas outras irão surgir. Não vejo como um risco para os pequenos esse movimento. Até porque na Europa e nos EUA isso aconteceu. A tendência das microcervejarias artesanais vai continuar. Acredito que na cabeça de muitos microcervejeiros, inclusive, vai funcionar o seguinte raciocínio: "Vou fazer uma bela cerveja, uma bela marca e vou vender". Mas, para valer dinheiro, tem de valer muito a marca. O valor que as grandes cervejarias atribuem quando compram empresas é a geração de caixa (receitas menos despesas), e no caso das microcervejarias é uma quantia pequena para os padrões dos grandes grupos.

É PRECISO FUGIR DO AMADORISMO

A profissionalização da gestão do negócio é uma exigência. Mas não por causa da entrada da Ambev no segmento das artesanais. E sim por uma realidade de mercado. É preciso sair do amadorismo. O pessoal tem de se profissionalizar mais. Cuidar das boas práticas. Da limpeza, por exemplo. Visitei microcervejarias impecáveis, mas também vi outras que não atendem às exigências sanitárias. Muitos ainda não estão no prejuízo porque estão na informalidade. No momento em que trabalharem na formalidade, terão prejuízo. Isso aconteceu com grandes cervejarias no passado. Não tenho dúvida de que existe mercado. Estranho um pouco a existência de marcas que continuem vendendo seus produtos a valores excepcionalmente altos. É descabido.

Túlio Rodrigues Sommelier de cervejas com 20 anos de experiência, trabalhou 10 anos na Ambev, a partir de 1994 (começou na área comercial e passou para o marketing). É fundador da Beer Academy, membro e porta-voz da Sociedade da Cerveja e empreendedor, tendo recentemente lançado o Craft Beer Ice Cream.

TÚLIO RODRIGUES:

"O ritual de passagem

da premiunização

vai se acelerar"

Na avaliação de Túlio Rodrigues, para as microcervejarias bem geridas, o negócio Ambev/ Wäls atrai mais oportunidades do que ameaças:

O CONSUMIDOR FINAL É QUEM MAIS GANHA

 

Quem sai ganhando, e muito, é o consumidor final, mas as microcervejarias também. A grande tendência de uma parceria como essa [uma microcervejaria como Wäls e um grande grupo como a Ambev] é a capilarização da distribuição e o aumento da escala. A Wäls ganha a possibilidade de ser um pouco mais competitiva, e passar isso para o consumidor final. Sem perder a qualidade. Duvido que a Bohemia [o braço da Ambev na união] vai mexer na receita. Não teria sentido o negócio, se fosse para mexer na receita. Ela quer absorver da Wäls o diferencial, que venham a fazer cervejas a quatro mãos, colaborativas.

 

MAIS ACESSO A CERVEJAS DE QUALIDADE

Se isso ocorrer, mais consumidores finais terão acesso a cervejas de estilos muito diferentes aos quais estão acostumados a consumir − hoje apenas 1,8% da população que bebe cerveja bebe cervejas especiais. Esse ritual de passagem da premiunização vai se acelerar. O consumidor vai ter a sua disposição estilos diferentes ao que está acostumado. Assim, despertará nele o interesse em provar também produtos de qualidade de outras cervejarias. Para estas, que sozinhas não têm essa capilaridade, é um oceano inteiro de oportunidades.

 

ISSO É UMA DECANTAÇÃO NATURAL

Só vão sobreviver os que têm carta no baralho. Aqueles que têm uma veia muito parecida com o que a Wäls traçou. E tem dezenas no país inteiro. Eles vão treinar e capacitar melhor os seus funcionários, porque o consumidor ficará mais exigente e criterioso. Aqueles que não entrarem nessa nova dinâmica estão ameaçados. Isso é uma decantação natural. Ocorreu em outros segmentos. Acelera a profissionalização.

 

OS PEQUENOS, SE UNINDO, FICAM MÉDIOS

Novas práticas, parcerias e criatividade na gestão terão de ser buscadas, para reduzir os custos e ganhar competitividade. Um exemplo é colaborativismo de compras, que a gente já começa a ver em iniciativas como a da Liga das Cervejas Extraordinárias, no Paraná. Em outro front, é preciso vencer uma rixa boba entre os produtores de vinho e de cerveja. Não podemos entrar na onda de rixa. Os pequenos se unindo ficam médios. Tem de haver esse tipo de união para ter preços melhores.